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Nem mais petróleo, nem falsa transição energética no Brasil

No dia 17 de maio de 2023, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), órgão do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas responsável, entre outras coisas, pelos estudos de impacto ambiental e concessões de licenças ambientais, negou à Petrobras uma autorização para prospecção de petróleo na bacia do Foz do Amazonas, no estado do Amapá.

Em um relatório detalhado, o IBAMA resgata o histórico do processo, iniciado em 2014 com a petrolífera britânica BP, e apresenta um conjunto de «inconsistências técnicas», ao mesmo tempo em que aponta os impactos previsíveis em ecossistemas únicos e comunidades locais, incluindo três territórios indígenas na região de Oiapoque. Como afirmou o presidente do IBAMA, Rodrigo Agostinho: «a bacia da Foz do Amazonas é uma região de extrema sensibilidade socioambiental, com unidades de conservação, territórios indígenas, manguezais, formações biogênicas de organismos como corais e esponjas, além de grande biodiversidade marinha, com espécies ameaçadas de extinção».

As repercussões não demoraram a chegar e estão gerando uma forte crise interna no governo Lula. A Petrobras diz que contestará a decisão e, se não for permitido atuar nessa região, considera até mesmo deslocar a exploração de petróleo para áreas vizinhas pertencentes à Guiana e ao Suriname. O Ministério de Minas e Energia e as forças desenvolvimentistas do progressismo fóssil no executivo e na sociedade também se opuseram à decisão com argumentos nacionalistas, como: «é uma decisão contra os interesses do país», «ou exploramos nós ou outros o farão». Representantes do governo do Amapá argumentam que aqueles que criticam o projeto de exploração na região agem contra melhorias de vida para a população pobre local, embora historicamente os megaprojetos extrativistas e de energia no Brasil tenham significado insegurança alimentar, criminalidade e crise sanitária em vez dos ganhos sociais prometidos. Por sua vez, as direitas estão aproveitando o cenário para criticar o governo de Lula e desestabilizá-lo a partir do poder legislativo, com ataques diretos ao Ministério do Meio Ambiente, abrindo caminho também para uma estratégia de esvaziamento das competências e capacidades do novo Ministério dos Povos Indígenas.

Diante dessa prova de fogo, Lula, que teve como parte importante de sua campanha a agenda ambiental e climática, inicialmente apoiou a decisão do IBAMA e da ministra do meio ambiente, Marina Silva. Mas, em entrevista durante a reunião do G7 no Japão, o presidente expressou dúvidas sobre os impactos negativos para a Amazônia, uma vez que a exploração de petróleo proposta seria «em mar profundo». No entanto, os desafios ambientais do Brasil não se limitam à floresta amazônica e ao desmatamento. Lula foi eleito com uma plataforma de liderança climática e transição ecológica. Abandonar isso agora em nome da governabilidade é um grave erro. Aceitar a pressão do velho nacionalismo desenvolvimentista de esquerda, somada aos interesses do capital fóssil e aos cantos de sereia do capitalismo verde, pode provocar um retrocesso histórico.

Sem mais petróleo!

Nós do Pacto Ecosocial e Intercultural do Sul, celebramos a decisão do IBAMA, que, inspirada em parâmetros técnicos rigorosos, também revela uma mensagem política importante: a exploração de petróleo na Amazônia é incompatível com sua proteção.

Também saudamos os esforços dos ativistas e movimentos ambientalistas e territoriais no Brasil em sua luta para frear este e outros projetos de destruição dos ecossistemas, dos territórios e da vida.

Os povos de nossa América Latina devem se unir na luta para deixar o petróleo no subsolo. Já são muitas as lutas que, nas últimas duas décadas, têm interrompido a expansão petrolífera em seus territórios ou buscam fazê-lo. Como nos ensinou a Oilwatch, parar de extrair petróleo, gás ou carvão é uma forma de enfrentar a crise climática; continuar fazendo isso, pelo contrário, significa aprofundar o desastre. Até mesmo a Agência Internacional de Energia, que tem poucas preocupações ambientais, uma vez que representa os grandes importadores de petróleo do mundo, recomenda deixar dois terços de todas as reservas de combustíveis fósseis no subsolo para evitar o aumento da temperatura do planeta em 1,5ºC, o que resultaria em uma catástrofe imensa. Por isso, é importante apoiar o povo equatoriano neste momento em relação ao #SíAlYasuní, diante da iminente consulta popular que pode decidir manter o petróleo existente, em uma parte de maravilhosa biodiversidade e lar de povos em isolamento voluntário no Parque Nacional Yasuní, no subsolo de forma indefinida.

Àqueles que dizem que não há alternativas em nível político-institucional, olhemos para a Colômbia, onde o governo anunciou em 2022 a suspensão de novas explorações de hidrocarbonetos e comprometeu-se a realizar uma transição energética gradual, justa e ordenada. Apesar das inegáveis contradições e dificuldades, essa decisão abre novos horizontes. A partir do Pacto Ecosocial e Intercultural do Sul, elaboramos, juntamente com o Censat Agua Viva e outras organizações, o documento Redução planejada da dependência fóssil na Colômbia«, com propostas que nos permitam avançar em direção à desfossilização com justiça ecosocial. Ou os ‘novos progressismos’ avançam nessa direção ou se assemelharão cada vez mais às direitas.

Tudo isso está em sintonia com um amplo sentimento coletivo de nossos povos e nos desafia a construir uma transição energética justa com uma perspectiva latino-americana. Porque, como corretamente insistem no Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis, a eliminação gradual da extração de combustíveis fósseis requer uma cooperação internacional sem precedentes.

O papel do Brasil nesse processo é fundamental. Por essa razão, vemos com enorme preocupação um possível retrocesso no caminho proposto inicialmente pelo governo do presidente Lula.

Que tipo de transição energética queremos?

A transição energética é incompatível com a extração de mais petróleo, e o desenvolvimentismo é incompatível com uma transição energética justa. Nos últimos meses, o debate sobre a transição energética chegou às instituições brasileiras, mas de forma limitada e problemática: como um modelo orientado pelo mercado, seduzido pela possibilidade de exportação de energias renováveis (principalmente com o desenvolvimento do hidrogênio verde), e um programa de expansão de energia solar e eólica dependente de investimento privado, cujas experiências atuais são marcadas por conflitos territoriais e comunitários, como vemos agora no estado do Ceará. Além disso, a eventualidade de mais extração de petróleo prejudica a possibilidade de transição, pois consiste em um modelo de expansão da matriz energética baseado na diversificação de fontes de energia que muitas vezes não são sustentáveis, em vez de apostar em energias verdadeiramente renováveis, associadas à redução gradual da dependência fóssil como base para outras estruturas econômicas de produção e consumo sustentadas na justiça social e em relações de harmonia com a natureza. É evidente que não se trata apenas de substituir os combustíveis fósseis por novas fontes de energia, por mais sustentáveis que sejam, na tentativa de manter o caminho do capitalismo predatório tanto social quanto ambientalmente.

O Brasil tem um histórico de violações dos direitos humanos e da natureza em seus esforços para gerar eletricidade. Lembremos do caso da usina hidrelétrica de Belo Monte. Também não podemos ignorar os graves crimes socioambientais causados pela mineração em Mariana e Brumadinho, para citar apenas dois dos casos mais destacados.

Um programa de transição energética justa para o Brasil deve impulsionar o desenvolvimento de energias renováveis de forma democrática, descentralizada e ampliada, em colaboração com as comunidades afetadas e sob uma visão mista de distribuição de energia. Como uma empresa estatal, a Petrobras pode desempenhar um papel importante nessa transição, mas deve fazê-lo comprometendo-se com a eliminação gradual de sua extração de combustíveis fósseis, aprofundando a prática do acesso à energia como um direito em vez de uma mercadoria. Também é necessário recuperar a Eletrobras, órgão responsável pela distribuição de eletricidade, privatizado em 2022.

As condições atuais impedem avanços reais em termos de democracia e transição energética popular e verdadeiramente justa, pois abordam o setor de energias renováveis como potencial de crescimento econômico capitalista e estão envolvidas na busca por minerais estratégicos que aprofundam padrões extrativistas em nome do consumo excessivo de recursos no Norte Global. O Brasil, assim como o restante da Nossa América, precisa de um programa transversal de transição energética e ecológica que coordene diferentes áreas do governo e amplie os investimentos públicos necessários, incorporando cada vez mais as comunidades rurais e urbanas nesse processo. Na verdade, as novas regras fiscais propostas pelo Ministério da Fazenda e recentemente aprovadas no legislativo limitam a capacidade de investimento para essa transição, facilitando mais uma vez a presença de corporações multinacionais em seu papel de investidores e extrativistas.

Diante dessa nova ofensiva contra os povos e a natureza no Brasil, devemos fortalecer a resistência. As organizações e movimentos sociais brasileiros, incluindo o MST, que são constantemente criminalizados, devem ser ouvidos. Eles são quem melhor conhecem os debates sobre alimentação, clima, energia e natureza. Eles têm não apenas amplo conhecimento, mas também a legitimidade da prática vivida, ou seja, de muitas experiências cotidianas que demonstram como a transição energética – e ecossocial de forma mais ampla – não é apenas uma promessa futura, mas já está em andamento.

Vamos aceitar: a única maneira de construir uma transição energética justa é com os indígenas, camponeses, corpos racializados, mulheres, ambientalistas e trabalhadores. Nos colocamos ao lado dessas lutas e propostas que buscam construir a transformação ecosocial no Brasil e, portanto, contra qualquer forma de falsa transição própria do capitalismo verde, que em vez de resolver a crise climática, a aprofunda.

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